HISTÓRIA


6. O RETOMAR DAS REIVINDICAÇÕES MARROQUINO-MAURITANAS

 

Em 1974, a situação altera-se profundamente. No plano internacional, a posição da Espanha é difícil. Em Marrocos, o rei Hassan II vê-se obrigado a fazer face a dificuldades internas e os partidos políticos não deixam, sempre que podem, de o confrontar com «a questão do Sahara». Os dois países têm, no entanto, que constatar o reforço da Polisario que, sem barulho, a não ser o das armas, reforça a sua implantação no território e entre o coração da população saharaui. A espera deixa então de ser uma táctica eficaz. As tomadas de posição sucedem-se.

A 12 de Julho de 1974, escassos meses após o eclodir da «Revolução dos Cravos» no vizinho Portugal (25 de Abril) - que levou ao derrube da ditadura e abriu caminho ao fim da guerra colonial em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau - o governo espanhol toma a decisão de pôr em aplicação um projecto que confere ao Sahara Ocidental um estatuto de autonomia interno. Em Marrocos, o Istiqlal retoma com ardor a sua campanha pela recuperação dos pretensos «territórios ocupados».O rei Hassan II, num discurso oficial proferido no dia 20 de Agosto, declara que se oporá a um eventual referendo no Sahara.
No dia seguinte, o governo espanhol modifica o seu projecto inicial mas afirma que se empenhará em organizar um referendo antes de Julho de 1975.

A tensão não cessa de aumentar até que, a 17 de Setembro, Hassan II anuncia o recurso ao Tribunal Internacional de Justiça de Haia. Pretende que essa instância se pronuncie sobre aquilo que afirma serem os direitos históricos de Marrocos sobre o Sahara Ocidental. Mas, enquanto isso, Marrocos não deixa promover outras manobras. Sabendo que na Argélia encontra um opositor irredutível a toda e qualquer solução contrária aos princípios da O.N.U. e da O.U.A.. à autodeterminação dos povos e à intangibilidade das fronteiras herdadas do colonialismo, Marrocos estabelece contactos com a Espanha e com a Mauritânia que, entretanto, também começara a reivindicar o «seu» Sahara.

Em Outubro de 1974, por ocasião da cimeira árabe de Rabat, Hassan II e Ould Daddah, da Mauritânia, estabelecem um acordo secreto. A delegação mauritana apoiará, na 29.ª sessão da O.N.U. entretanto a decorrer, a pretensão marroquina de retirar à Assembleia Geral o «dossier» do Sahara Ocidental para o pôr nas mãos do Tribunal de Haia. Esta iniciativa depara com a oposição da Espanha, mas no termo da Assembleia Geral desse ano, a 13 de Dezembro de 1974, é adoptada uma resolução em que - sem prejuizo da aplicação do princípio à autodeterminação - se pede ao Tribunal de Haia um parecer consultivo sobre a seguinte questão: «O Sahara, no momento em que teve início a colonização espanhola, era uma terra sem dono? E se não, quais eram os laços jurídicos com Marrocos e com a Mauritânia?».

A Assembleia encarrega também um missão especial de estudar a situação no território e preparar uma visita à região. Esta missão especial da O.N.U., composta por representantes de três países, Costa do Marfim, Cuba e Irão, chega à região no mês de Maio de 1975.

A 12 de Maio, em El Aiun, capital do Sahara Ocidental, por ocasião da manifestação popular organizada para receber a missão, uma esmagadora maioria dos presentes proclama o seu apoio à Frente Polisario e reivindica a independência do país.

As manifestações sucedem-se, pondo em evidência a tomada de consciencialização política por parte da população. O «partido espanhol», o P.U.N.S., revela uma representatividade praticamente nula.
A delegação da O.N.U. prossegue na sua visita deslocando-se a Marrocos. O Morehob e a F.L.U. são-lhe apresentados como movimentos de libertação mas, no entanto, evidenciam muita dificuldade em demonstrar a sua real implantação e a actividade política desenvolvida. Na Argélia, nos primeiros campos de refugiados, perto de Tinduf, a missão volta a deparar com o apoio à Frente Polisario e à independência. Na Mauritânia, apesar da encenação das autoridades, voltam a ter lugar manifestações de apoio ao movimento de libertação saharaui.

O relatório da visita desta missão da O.N.U. é tornado público a 5 de Outubro de 1975. Depois de recordar as posições das partes intervenientes e interessadas, o relatório reconhece, a propósito das opiniões da população autóctone, que «a quase unanimidade se pronunciou a favor da independência e contra as reivindicações de Marrocos e da Mauritânia» e acrescenta que «a Frente Polisario, quase clandestina antes da chegada da missão, surgiu como a força política dominante no território. Por toda a parte a missão assistiu a manifestações de massas em seu favor». Relativamente às condições de resolução do problema, a missão defende a consulta livre à população. Reconhece a responsabilidade da Espanha no processo de descolonização e a necessidade de evitar toda e qualquer iniciativa que vise a alteração do statu quo no território.

No dia seguinte à publicação do relatório, o Tribunal Internacional de Justiça de Haia torna público o seu parecer consultivo. O Tribunal começa por afirmar que, no início da colonização espanhola, o Sahara Ocidental não era uma terra sem dono (terra nullius). Quanto à questão dos laços entre o Sahara e os países vizinhos, o Tribunal reconhece a existência «a quando da colonização espanhola, de laços jurídicos de fidelidade entre o sultão de Marrocos e certas tribos que viviam no território do Sahara Ocidental». Reconhece igualmente «a existência de direitos, inclusive direitos relativos a terra, que constituiam laços jurídicos entre o conjunto mauritano - designação utilizada pelo Tribunal - e o território do Sahara Ocidental». No entanto, o Tribunal conclui que os elementos e informações trazidas ao seu conhecimento não estabelecem a existência de qualquer tipo de laço de soberania territorial entre o Sahara Ocidental e Marrocos ou a Mauritânia. Em conclusão, o Tribunal afirma não existir nenhum laço que ponha em causa a resolução da O.N.U. de 1960 relativa à descolonização e à necessidade de «aplicação do princípio de autodeterminação através da expressão livre e autêntica da vontade das populações do território».

7. O ACORDO DE MADRID


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