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14. - 16.09.97, Negociações marroquino-saharauis,
Houston: ACORDO GERAL
Após três dias de discussões à porta
fechada, em Houston, Texas, EUA, o representante especial do
Secratário-Geral das Nações Unidas James Baker
III anuncia que as duas partes chegaram a acordo em
relação ao "código de conduta" que será
observado durante o processo de realização do referendo
de autodeterminação no Sahara Ocidental. Após
dois encontros em Londres e outros tantos em Lisboa, foi conseguido
um acordo geral entre as partes. James Baker, que deve entretanto
clarificar duas questões com o Secretário-Geral da ONU,
Kofi Annan, estima que o referendo poderá vir a realizar-se o
mais tardar entre Julho e Agosto do próximo ano. A
delegação marroquina integrava, entre outros, Filali,
Basri e Snoussi, e sete peritos do Ministério do Interior. A
delegação saharaui era presidida como habitualmente
pelo primeiro-ministro da RASD, Mahfoud Ali Beiba, estando
também presentes em Houston os observadores às
negociações representantes dos Estados argelino e
mauritano, bem como como os representantes da ONU e assessores
directos de Baker para o território Erik Jensen, Chester
Crocker e John Bolton.
O ex-secretário de Estado norte-americano vai agora relatar ao
Secretário-Geral da ONU o resultado das
negociações. A que seguirá de imediato a entrega
do relatório de Kofi Annan ao Conselho de Segurança das
Nações Unidas. Dado que o mandato da MINURSO termina no
final do mês de Setembro, é previsível que o
Conselho de Segurança da ONU amplie por mais um período
o referido mandato.
O Acordo em detalhe
1. Período transitório
As duas partes reconhecem a autoridade das Nações
Unidas durante o período de transição, a qual
deverá permitir a realização de um referendo
transparente, livre e equitativo. Este acordo está contido
numa declaração sobre o papel da presença da ONU
durante o processo. O período de transição vai
do dia J, que corresponde ao termo da identificação dos
votantes, até ao dia da votação.
2. Código de Conduta durante o período eleitoral (3
semanas)
As duas partes acordaram sobre as condições que
garantam a transparência do processo eleitoral, o acesso
equitativo aos meios de comunicação Social e a
liberdade de expressão e movimentação.
Observadores internacionais serão autorizados a acompanhar a
campanha referendária. Total liberdade de
movimentação será assegurada aos membros da
comissão de apoio à Frente Polisario, de que
farão parte as associações de amizade com o Povo
saharaui através do Mundo.
3. Identificação dos votantes (8-10 meses)
Este processo faz parte de um documento que fixa as
condições para o retomar da identificação
e os critérios aplicáveis. Marrocos renuncia a
apresentar uma população global de potenciais votantes.
Os membros das tribos contestadas poderão apresentar-se
à identificação, mas apenas a título
individual e sem ser convocados pela comissão. A Frente
Polisario admite os testemunhos orais perante a comissão de
identificação. Esta fórmula permitirá que
cerca de 80.000 pessoas, grosso modo, participem no acto eleitoral. O
processo de identificação poderá ser retomado
dentro de 4 a 6 semanas.
4. Acordo sobre o acantonamento das forças militares de ambos os lados
5. Acordo dobre a libertação de prisioneiros de guerra e presos políticos
6. Acordo sobre o repatriamento dos refugiados dos acampamentos situados ao sul de Tinduf, na Argélia
Reacções e comentários
Frente Polisario
Ahmed Boujari, representante da Frente Polisario na ONU, declara que
este acordo põe em marcha uma dinâmica muito
séria, forte e sólida com vista à
realização, em 1998, de um referendo de
autodeterminação no Sahara Ocidental. A pergunta que
será colocada aos eleitores continua a ser a mesma:
independência ou integração em Marrocos. Boujari
reafirmou que a Frente Polisario cooperará por inteiro para a
sua realização, afirmando esperar que Marrocos
também o venha a fazer de forma sincera. Para o Presidente da
RASD, o acordo conseguido "abre a via para o começo de uma
solução justa e duradoura do conflito. Mohamed
Abdelaziz reafirma "a vontade da parte saharaui em se empenhar no
processo de aplicação do plano de solução
e dos acordos conseguidos", mas, simultaneamente, lança um
apelo à comunidade Internacional "para apoiar a
execução dos acordos".
Marrocos
O primeiro-ministro marroquino Abdellatif Fillali afirmou que
Marrocos podia "olhar o futuro dos seus territórios com
optimismo". "Os interesses de Marrocos foram reconhecidos e
defendidos". "Penso que chegámos a um compromisso
razoável que irá permitir a organização
deste referendo, que é uma coisa que nós
próprios defendemos e que permitirá acabar com este
problema que persiste há já mais de 20 anos".
Imprensa marroquina
A imprensa marroquina interroga-se sobre o verdadeiro conteúdo
do acordo e se a Frente Polisario o respeitará. O "Al
Bayan" (18.09.97) considera que, se «no plano formal, a
soberania de Marrocos sobre as suas províncias saharianas
será posta entre parênteses durante o período de
transição, na realidade, Marrocos nunca estará
ausente dado que está profundamente enraizado no
coração e na alma dos habitantes das províncias
saharianas".
"O fim do longo caminho para o referendo" é o título do
jornal "La Vie Economique". Este órgão
realça que a delegação marroquina conduzida por
A. Fillali conseguiu todos os seus objectivos, reafirmando a
posição do Reino e assegurando a sua vontade de
contribuir para a organização do referendo de
confirmação do Sahara marroquino sob a égide da
ONU.
"Maroc-Hebdo"edição de 06.09.97:
«Contactos entre Marrocos e a Frente Polisario. A paz para a
democracia». (...)Marrocos respeita a legalidade internacional
ao aceitar que um referendo de autodeterminação seja
efectuado no seu território. O que estamos então a
negociar?... O negociador marroquino referiu que estes contactos
permitiram fazer progressos. Seja. Mas em que direcção?
Hipótese: a ONU deseja simplesmente que o referendo tenha
lugar... (...) Trata-se para James Baker de encontrar uma
média entre o número de 74.000 eleitores
avançado pelos separatistas e o de 200.000 proposto por
Marrocos... Será possível imaginar que a firmeza de
Marrocos, a legitimidade das suas posições possam
desembocar num acordo que permitiria aos defensores da
independência aspirar a uma autonomia ainda mais
avançada do que a fundada pela
regionalização?
O "Bayane al Youm" (20.09.97) afirma que a ausência de
informações precisas sobre os resultados do encontro de
Houston, impede que a classe política e o povo marroquinos
possam expressar as suas impressões sobre este assunto. Por
esse facto, acrescenta o editorialista, o governo deve empenhar-se em
informar a opinião pública nacional sobre todas as
etapas percorridas até ao presente na questão do Sahara
marroquino e sobre os preparativos em curso para pôr fim a este
conflito.
Nações Unidas
"O Secretário-Geral está extremamente satisfeito pelas
duas partes em conflito no Sahara Ocidental, graças aos bons
ofícios do seu enviado especial James Baker III, se terem
posto de acordo em relação aos pontos que impediam a
aplicação do plano de resolução desde
há pelo menos dois anos. O Secretário-Geral felicita as
partes (...) e espera que continuem a colaborar com as
Nações Unidas respeitando os acordos firmados, de forma
a que o plano possa ser posto em execução".
Argélia
A Argélia declara acolher o acordo - que define como da "maior
importância" - com "satisfação". Afirma-se
empenhada em apoiar a sua aplicação, a fim de que possa
ter lugar "um referendo livre, regular e transparente".
Espanha
O governo espanhol regozija-se também pelo acordo sublinhando
a existência de "perspectivas reais de solução".